Leila Míccolis



Ocaso em flor, 2010.
Óleo e acrílica sobre papel
22,5 cm x 31,5 cm.
Ainda estamos na primavera, e enquanto ela não vira verão senti vontade de falar de beijos, talvez um pouco por nostalgia dos tempos em que nos cumprimentávamos uns aos outros com beijinhos na face em vez de às cotoveladas. Lembrei-me do horror que minha mãe tinha de “sapinhos” (cuidado com beijos na boca, filha…) e dos leilões de quermesses, de eventos, de feiras beneficentes, em que beijos eram dados (muitas vezes pelo maior lance) por artistas famosos, ou elegantes damas da sociedade acima de qualquer suspeita, em prol de campanhas filantrópicas. Em nossa casa de Maricá, no Rio, tínhamos diariamente fartas colheitas de beijos. Porém de outra natureza.
Embora poucos conheçam a nomenclatura científica desta planta, provavelmente muitos sabem vários dos seus nomes populares (mais de quinze, conforme Harri Loreni, autor do livro Plantas Medicinais no Brasil - Nativas e Exóticas): Batata-de-purga, Pó-de-arroz, Boa-morte, Flor-das-quatro-horas, Maravilha, Bonina, entre outras. De todos eles, Beijo é o meu predileto, principalmente pelo seu sentido poético-conotativo. Já pensou você perguntar a alguém: “qual a cor do seu beijo?” Ou então afirmar: nosso beijo deu sementes... Bonito, não?
Existem beijos de diversas nacionalidades, como o americano, o turco, o alemão, o africano (conhecido também como Beijo-de-frade). Os nossos eram beijos comuns mesmo, do tipo marias-sem-vergonhas (como também são tantas vezes conhecidas, por darem muito, o tempo todo….); despudoradamente exuberantes, eram muito queridas. Elas adornavam o canteiro ao pé do chorão, que parecia gostar muito das suas companhias: quando o vento soprava, o chorão, alegre, parecia dar beijo nos beijinhos, com suas folhas amorosas e leves. Pode ser impressão minha, mas sempre depois dessas cenas de amor em público, eu notava que algumas flores ficavam mais vermelhas, mais coradas em suas sedosas faces de pétalas...
Em uma época, porém, notei que nossos beijos estavam muito abatidos, como que morrendo. Desolada, pensei como era constrangedor um canteiro de beijos tristes, acanhados, desgastados, beijos que nem molhados (pela chuva) pareciam querer florescer mais. Cheguei perto para conversar com eles (não dizem que as plantas entendem a fala das pessoas?) e lhes fazer um carinho, mas não cheguei a tocá-los. pois uma perereca pulou incomodada, e eu recuei. Ainda assustada, não refeita do susto, perguntei-lhe: — Isto lá é lugar pra você se esconder? Ela deu outro salto e tentou abocanhar um animal voador não identificado que pousara nas folhas do beijo murcho. De repente, entendi a resposta: de um lado, ainda voando, estava a iguaria que escapara ilesa (agora facilmente reconhecível: uma borboleta marrom); do outro, no chão em volta da perereca, os produtos de sua infrutífera caçada: seu pulo fez com que espalhasse sementes — Beijos a granel — por todos os lados; então, na verdade, ela estava no lugar certo e na hora certa, eu é que, na ótica dela, estava no lugar errado e na hora mais imprópria possível...
Universo sábio este, mesmo quando as leis do seu ecossistema nos parecem estranhas. Antecipando-se à natureza (que, ao contrário da perereca, “não dá saltos”) o irrequieto animalzinho verde acelerava o processo de germinação, contribuindo para uma multiplicação mais rápida, antes do “tempo regulamentar”, e atraindo, também, mais borboletas esvoaçantes, sedentas de Beijos. Fiquem atentas ao perigo porém, amiguinhas lepidópteras: lembrem-se de que à espreita há várias espécies de batráquios e répteis – rãs, sapos, pererecas, lagartos, lagartixas, camaleões e companhia ilimitada –, que seguem à risca o provérbio português segundo o qual “a alegria vem das tripas”... E aí, como nos filmes de suspense, cuidado para vocês não serem as próximas vítimas da “Morte num Beijo” ou... de “Beijos Fatais”.

Leila Míccolis;

Alberto Bodan
Leila Míccolis, escritora brasileira de livros (poesia e prosa), televisão, teatro, cinema, pesquisadora, com Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado em Teoria Literária (UFRJ).
Alberto Bodan
Poeta e artista visual. Produz poesia, prosa poética, poema visual, poema-objeto, desenho, pintura, gravura, escultura, fotografia e um pouco mais.