Marcelo Frota



Ao ler Aquatempo-Aquatiempo de Wanda Monteiro (Patuá, 2020) me senti renascer. Renasci para a vida, para uma nova existência, me senti ainda na placenta envolvida pela água, e em questão de tempo, lendo cada estrofe, me vi renascer. Depois disso, consigo ver tudo mais claro, mais límpido assim como as águas de uma nascente.
Um número infinito de recordações me veio à mente. Lembrei-me do prazeroso cheiro da chuva, lembrei-me da nascente que tinha perto de casa, onde eu adorava sentar nas tardes de verão e molhar as pontas dos pés. A água é essencial para os seres vivos, ela é berço de toda a vida, é ela que nos purifica.
Assim como uma nascente, um rio, a água passa e com ela o tempo transcorre, por mais que não possamos perceber às vezes. O tempo é mágico, ele tem o poder de semear e trazer lembranças e reconhecimento do mundo em sua grandiosidade. Assim como você leitor, Wanda também reconhece os habitantes desse mundo, suas margens, as dores, as alegrias, as cores, e se torna inevitável com o passar do tempo ressurgir as lembranças, assim como as águas ressurgem.
O tempo e a água se fundem nessa obra e nos trazem à tona tudo que já vivemos, refletindo como águas cristalinas, nossa existência, nossas dores, nossos amores. Assim como em Aquatempo, as águas abraçam a epiderme do ser, nos fazendo renascer por meio da densidade de cada verso. Wanda tonifica a voz do eu lírico com a transitoriedade do que é tênue.
Senti-me desaguar no tempo quando li “E pensar que somos transitórios / um frágil equilíbrio de vida / líquida e efêmera / sobre a linha d’água / fluindo no tempo / finito em nós” (p.27). Estamos em um constante rito de passagem, e me faz questionar, ao ler cada verso, como atravessar as águas e os tempos que a vida nos impõe.
Por vezes me sinto velejando nos versos, nos pensamentos, nas lembranças, e isso se reflete com mais intensidade depois que li “Silenciosa / a memória corre em teus olhos / lambe as margens / que choram água e sal / no rio de teus olhos / um leito seca de saudade” (p.57), assim com quando li “Toda saudade é um cais / um sempre de partidas / ancoradouro de adeuses / de promessas de chegadas.” (p. 59).
Por fim, posso dizer que Aquatempo-Aquatiempo, me fez renascer, me fez reviver meu ser, meu pensar e tudo em minha existência depois que li “Sinto-me assim / fronteiriça e dual / ora / explodindo como olho d’água / correndo como rio caudaloso / de brava correnteza / ora / exausta como água de remanso / despida de tempo / inerte / à míngua do canto / e da dança dos ventos” (p. 107).
Aquatempo-Aquatiempo de Wanda Monteiro (Patuá, 2020) é uma obra que mostra as vertentes do ser e a paisagem se torna elemento da representatividade da nossa existência. Segundo Jacques Rancière “a imagem e a palavra nunca são realidades simples”, por isso caro leitor, te convido a ler esta belíssima obra e fazer como eu assim o fiz: Renascer nas correntes das águas e do tempo!


Wanda Monteiro, advogada, escritora, uma amazônida nascida à margem esquerda do rio Amazonas, em Alenquer, Pará, Brasil. Colabora com vários projetos de incentivo à leitura de seu país, seus textos poéticos são publicados em importantes revistas literárias_ impressas e digitais_ veiculadas em várias regiões do pais. Tem seus poemas publicados nas antologias: Senhoras Obscenas; Proyecto Sur Brasil, Sarau da Paulista; Mulherio de Letras/Lisboa e na primeira e histórica publicação impressa da Revista Literária GUETO. Obras publicadas: O Beijo da Chuva, 2008, Ed Amazônia; Anverso, 2011, Ed Amazônia; Duas Mulheres Entardecendo, 2015, Ed Tempo _ em parceria com a escritora Maria Helena Latinni; Aquatempo, 2016, Ed Literacidade; A Liturgia do Tempo e outros Silêncios , 2019, Ed Patuá, Aquatempo Aquatiempo, Editora Patuá, 2020. Participou neste ano de 2020 de duas publicações com textos poéticos : A coletânea em Livro manifesto antifascista chamada Ato Poético, editora Oficina, organizado por Márcia Tiburi e Luís Maffei e o segunda, a coletânea ANTIFASCISTAS, contos, crônicas, poemas de resistência, organizada por Leonardo Valente e Carol Proner, editora Mondrongo e do Zine Despacho, editora Corsário Satã, e a plaquete Discurso Sobre la Tierra pela editora Mirada.
Marcelo Frota é professor, escritor e poeta. Apaixonado por música, literatura e cinema. É coautor de Compilação Poética das Margens e autor de O Sul de Lugar Nenhum, lançado em 2019 pela Editora Penalux